Um menino caminha em direção a um campo de concentração na Polônia da década de 1940. Até que oficiais nazistas o separam de seus pais, o que faz com que o garoto lute com toda a sua força, esticando as mãos em direção aos recém-fechados portões do lugar.
Podia ser mais um drama sobre a Segunda Guerra Mundial. Mas as barras de ferro que separam o menino de sua família se contorcem e são amassadas sem que alguém as toque. O personagem é Magneto -e a cena marcou uma nova era para o cinema hollywoodiano.
Há 20 anos, em 18 de agosto de 2000, chegava às salas brasileiras “X-Men: O Filme”, responsável por transformar histórias em quadrinhos em verdadeiras impressoras de dinheiro em Hollywood. Inspirado nos mutantes da Marvel, o longa é uma espécie de avô dos filmes dos Vingadores e lançou a atual onda de blockbusters de super-heróis.
O filme, dirigido por Bryan Singer, não foi o primeiro a adaptar HQs. Tim Burton foi bem-sucedido com “Batman” e “Batman: O Retorno”, de 1989 e 1992, e Christopher Reeve foi levado ao estrelato ao incorporar o Super-Homem nas telonas.
Mas nenhum filme havia alçado os super-heróis ao status de subgênero cinematográfico, tampouco alcançado um público maior que o dos fãs de quadrinhos e nerds, alcançado uma gama de espectadores ampla o suficiente para ditar a maneira como os blockbusters seriam produzidos a partir de então.
Os antecessores de “X-Men” também não compartilhavam de uma característica que a extinta 20th Century Fox tinha de sobra -a ambição de transformar um único filme numa franquia com vida útil indeterminada, que extrapolasse as bilheterias para vender de bonequinhos e camisetas a bolinhos recheados.
“A franquia dos ‘X-Men’ abriu espaço para o que a gente vê hoje no cinema. Se não houvesse ‘X-Men’, a gente não teria os filmes dos Vingadores, por exemplo”, afirma Pedro Curi, coordenador do curso de cinema da Escola Superior de Propaganda e Marketing. “Foram eles que inauguraram essa onda de filmes de heróis extremamente populares, que estimulam o público a querer ver mais coisas dentro desses universos.”
Dados da bilheteria americana mostram como “X-Men: O Filme” foi determinante. Nos 20 anos após o longa, 42 filmes com super-heróis apareceram entre as dez maiores arrecadações do ano nos Estados Unidos. Nas duas décadas anteriores a “X-Men”, foram só cinco.
Os retornos obtidos abriram os olhos da Marvel, que poucos anos antes quase havia ido à falência. A empresa apostou tudo em sua própria divisão cinematográfica até ser comprada pela Disney e se tornar uma das marcas mais valiosas do entretenimento mundial.
“X-Men” também foi a chance de apresentar a toda uma nova geração dois bastiões da atuação britânica -Patrick Stewart e Ian McKellen, que viveram Professor Xavier e Magneto. E o filme catapultou à fama nomes que representam hoje a nata de Hollywood, como Hugh Jackman e Halle Berry –Wolverine e Tempestade.
“Foi um filme muito significativo. Acho que, a princípio, era uma aposta. E, de fato, quando nós começamos a filmar, o papel do Wolverine estava vago. Então, numa tarde, um jovem australiano encantador, Hugh Jackman, veio ao set e nos disse que faria um teste”, lembra Stewart. Foi assim que um dos personagens mais icônicos de Hollywood ganhou vida.
Pedro Curi, o professor, afirma que a proporção que a franquia tomou está muito além do que se podia imaginar na virada do século. Mas a Fox foi cautelosa quando liberou os US$ 75 milhões, ou cerca de R$ 400 milhões, de orçamento da empreitada.
“De certa forma, foi uma aposta arriscada, porque levaram para o cinema algo que não faziam ideia se as pessoas iriam gostar”, diz. Curi ressalta, no entanto, que os filmes se desviaram em grande medida da animação dos “X-Men” e das HQs, dando novas origens e arcos para os super-heróis. Um fator intrínseco à saga, porém, permaneceu intacto. E foi ele, segundo o pesquisador, que permitiu que “X-Men” extrapolasse seu nicho e dialogasse com tanta gente.
“‘X-Men’ sempre teve uma narrativa muito inclusiva. Parte do princípio de que você pode ser diferente, de que a sua diferença não é um problema, mas uma qualidade. E, ao contrário de outros heróis, os X-Men são um coletivo, qualquer um pode ser mutante. Essa narrativa sobre minorias vai dialogar muito com temas que estavam sendo abordados nos anos 2000”, comenta o professor.
Uma das cenas da franquia mais lembradas pelos fãs veio de “X-Men 2”, quando Bobby, o Homem de Gelo, confronta seus pais sobre suas particularidades -no que muita gente lê como um aceno à comunidade LGBT. “Quando você soube que era um mutante?”, pergunta a mãe do personagem.
Quase US$ 2,5 bilhões, ou R$ 13,4 bilhões, e 12 filmes depois, a superfranquia parece dar sinais de desgaste. Por maior que seja seu legado, o futuro não parece muito promissor -em especial depois de uma verdadeira bagunça feita na linha temporal dos personagens.
A última incursão dos mutantes no cinema foi “Fênix Negra”, no ano passado, um fracasso vergonhoso entre público e crítica. Já o 13º longa do universo, “Os Novos Mutantes”, foi adiado inúmeras vezes por causa de rixas entre sua equipe criativa e o estúdio.
Hugh Jackman, a fonte de carisma da franquia, se despediu de Wolverine no aclamado “Logan”. Bryan Singer, diretor que concebeu a versão cinematográfica dos mutantes, está afundado em denúncias de assédio sexual e mau comportamento nos sets de filmagem.
E, agora, a 20th Century Fox já não existe mais e foi comprada pela Disney, que não anunciou planos para seguir com os personagens. É provável que eles retornem no futuro, mas em outro formato, talvez como puxadinhos dos Vingadores.
“Nesses 20 anos, a gente vê que, com o Universo Cinematográfico Marvel, os X-Men vão para um segundo plano”, diz Curi. “A franquia sofre um impacto, porque ela não foi tão bem trabalhada e estruturada quanto os filmes dos Vingadores.”