In loco: transmitindo informações e compartilhando experiências
Nas entrelinhas do Direito, por André Cesar de Mello
Amanhecendo o dia de sábado, e uma matéria da série “nas entrelinhas do Direito”, se faz apresentar hoje, de maneira eficaz, afinal, precisamos refletir:
Falar, pensar e refletir, em prol de muito trabalho:
Será que um divórcio ou dissolução de casamento/união estável pode prejudicar minha empresa?
Por André Cesar de Mello[1] e Luiz Eduardo Darin da Cunha[2]
Meus queridos leitores de toda a sexta-feira, temos hoje um assunto relevantíssimo. O empresário possui duas vidas: a profissional e a sua própria vida. E essa última passa eventualmente pelo divórcio ou pela dissolução da união estável. Isso é muito normal atualmente, sobretudo após a Lei do Divórcio de 1977. Antes não se falava em divórcio, mas somente em desquite. Lembra-se disso? Agora, com a figura do divórcio/dissolução, surge um problema: se as quotas/ações da minha empresa integrar o patrimônio do casal, pode meu(inha) ex-esposa(o) entrar na empresa? Vamos trabalhar um pouco com essa ideia? Vamos lá!
O processo de divórcio envolve diversas questões importantes a serem debatidas pelo casal, especialmente no tocante à guarda dos filhos menores, pensão alimentícia, regime de convivência do genitor que não mora com o filho e, ainda, a partilha do patrimônio do casal, a qual dependerá do regime de bens adotado pelos cônjuges no casamento. Inclusive, a eleição do melhor regime de bens é importantíssima!
O mais comum, atualmente, é que o casal opte pelo regime legal da comunhão parcial de bens, o que dispensa a celebração de pacto antenupcial, que [e somente exigido para a escolha dos demais regimes de bens previstos na lei (comunhão universal de bens, separação convencional, separação obrigatória e participação final nos aquestos).
Quanto ao regime legal (ou da comunhão parcial de bens), estabelece a lei que, em regra, os bens adquiridos durante o casamento serão de ambos os cônjuges, salvo algumas exceções. Sendo assim, a título de exemplo, se um dos cônjuges comprou um imóvel durante o casamento e o registrou somente em seu nome, o referido bem será também do outro cônjuge e integrará a partilha do casal. O mesmo raciocínio se aplica a outros tipos de bens, tais como veículos e móveis que guarnecem a casa, por exemplo.
Os exemplos de bens que mencionamos acima são os mais comuns, ou seja, veículos, imóveis e imóveis. Mas e quando um dos cônjuges era ou tornou-se empresário após o casamento? Será que a empresa (ou as quotas/ações dela) poderá integrar a partilha do casal?
A resposta é afirmativa. As quotas/ações sociais da empresa podem ser partilhadas a depender do regime de bens escolhido pelo casal; ou melhor, o que as quotas/ações representam em termos financeiros. Portanto, se o regime é o da comunhão parcial de bens, a empresa constituída durante o casamento, mesmo que em nome somente de um dos cônjuges, integra o patrimônio do ex-cônjuge. O mesmo raciocínio se aplica ao regime da comunhão universal de bens.
Perceba que estamos a analisar dois tipos de sociedades: a conjugal e a empresarial. E é necessário saber diferenciar o regime jurídico de ambas. Isso não significa, no entanto, que o cônjuge que não é empresário ingressará na sociedade como sócio, e sim de que terá direito aos recursos que representam as quotas sociais/ações da empresa, devido ao regime de casamento escolhido pelo casal. Isso é, terá direito ao valor que aquelas quotas/ações representam. Na prática, o cônjuge não empresário tem direito ao recebimento da divisão periódica dos lucros da empresa, mas não de ingressar na sociedade. E isso ocorre porque, em uma sociedade, existe uma intenção de desenvolver uma ou várias atividades conjuntamente, o que se chama de affectio societatis. Se não há isso, não há como se permitir a entrada da pessoa na sociedade.
Ainda, é preciso ficar atento que, se a empresa já era de propriedade de um dos cônjuges antes do casamento e valorizou na constância da sociedade conjugal, o outro cônjuge igualmente terá direito ao seu quinhão. Além disso, assim como o acréscimo patrimonial, também as dívidas serão de responsabilidade de ambos os cônjuges. Não são só os direitos que são partilhados: as dívidas também.
Diante desse cenário, é comum que muitas pessoas se surpreendam ao se deparar com pedidos de partilha das quotas sociais/ações pelo cônjuge que não integra a sociedade após a dissolução da sociedade conjugal. Pensa-se que a empresa constituída em nome de um dos cônjuges não terá qualquer influência na partilha dos bens.
Assim, para que o empresário não se depare com esse tipo de situação, é de suma importância que, ao casar, faça a opção pela realização do pacto antenupcial, ou seja, um documento/ato entre o casal que especificará os bens e/ou direitos que não se comunicarão durante o casamento, dentre elas as quotas/ações empresa que já possui ou que poderá vir a constituir futuramente. O pacto antenupcial deverá ser realizado sempre que o casal não optar pelo regime da comunhão parcial que explicamos no início.
Após o casamento e realizado o pacto antenupcial, com a devida exclusão da empresa atual ou futura dos cônjuges, o empresário poderá ficar despreocupado e prevenido caso venha a se divorciar ou dissolver a união estável.
Além disso, podemos ainda analisar outra situação mais complexa que a partilha das cotas sociais de uma empresa de um casal que optou pelo divórcio, que é a dissolução da união estável, uma vez que, ao contrário do casamento, muitas vezes é complicado definir o momento exato em que o casal passou a conviver de modo público, contínuo, duradouro e com o objetivo de constituição de família, na hipótese em que o casal não atestou a união estável por meio de um documento oficial. Quer dizer: há grande insegurança diante desse fato e não se sabe ao certo quando começou o relacionamento, podendo afetar grande parte do patrimônio.
Sendo assim, o companheiro pode perfeitamente requerer em juízo o reconhecimento e dissolução da união estável mantida com o empresário e requerer a partilha dos bens adquiridos durante a constância da relação que, nesse caso, deverá ocorrer pelo regime da comunhão parcial de bens, uma vez que o casal não optou pela realização do já mencionado pacto antenupcial. Como, em regra, não se faz possível o ingresso na sociedade, deverá o outro cônjuge indenizar o valor referente às quotas/ações da empresa.
A pessoa que está se divorciando não pode integrar de imediato a empresa como se sócio fosse, mas concorre com os lucros de imediato. Uma solução rápida é o sócio/ex-cônjuge indenizar/pagar a parte da ex-cônjuge, mas se não tiver dinheiro/bens para isso, pode oferecer para outro sócio as quotas/ações; vendê-las a terceiro, quando possível e respeitadas as normas do contrato social/estatuto e Código Civil. Também o contrato de namoro, antes de constituir eventual união estável, é importante para evitar os efeitos de eventual dissolução da união estável. Nesse documento é importante os consortes declararem que não possuem e sequer têm interesse em constituir uma união estável, mas, se reconhecida, elegem desde logo o regime da separação total de bens, impedindo eventual prejuízo à empresa.
Também para evitar essas situações é muito comum prever no estatuto/contrato social a necessidade dos sócios manterem o casamento/união estável sob o regime da separação total de bens. Isso facilita muito a vida de quem não quer ver sua empresa prejudicada.
Uma problemática decorrente do ingresso do ex-consorte é a legitimidade que ele ganha para questionar contas e práticas de atos societários, impedindo e dificultando a atuação da empresa. Imagine-se você, sócio, querendo ou precisando vender um imóvel e essa transação sendo embargada pela ex-consorte. Trata-se de um problema que pode ser evitado.
É importante dizer que, para a correta mensuração do valor a ser partilhado, faz-se necessária a realização de balanço contábil especial para tanto, demonstrando o valor das quotas que serão objeto de partilha, com base no patrimônio líquido da empresa.
Portanto, perceba que assim como o casamento – caso os cônjuges não optem pela realização do pacto antenupcial – a união estável também será regida pela comunhão parcial dos bens e poderá afetar o patrimônio da empresa. Atenção nesse ponto!
Esperamos que, com essas dicas rápidas, os empresários possam planejar-se melhor, o que demanda sempre o acompanhamento de um profissional do ramo jurídico.
Um abraço a todos e um excelente feriado e fim de semana!
[1] ANDRÉ CESAR DE MELLO é advogado nas área tributária-empresarial, sócio da Cunha Mello Law Firm, escritor de livros, artigos e professor nas referidas áreas.
[2] LUIZ EDUARDO DARIN DA CUNHA é advogado, sócio da Cunha Mello Law Firm, professor e escritor de livro e artigos voltados à Arbitragem e ao comércio exterior.